sábado, 17 de maio de 2008

Meu querido mestre e amigo Piligra, meus alunos precisam ler a Fábula idiota...


Fábula idiota

Por Lourival Pereira Júnior _ Piligra
Poeta e Professor de Filosofia - UESC

Num reino encantado no coração duma Floresta, uma velha Raposa se fez rainha e decidiu aprender filosofia com uma jovem Coruja.Todos os dias a Raposa subia ao alto de uma montanha para dali contemplar toda a extensão do seu reino,enquanto a Coruja traduzia do grego para o latim e do latim para o tupiniquim – língua falada no lugar -, as lições dos mestres do pensamento – Sócrates,Platão,Aristóteles,Santo Tomás de Auino,Descartes,Kant,Hegel e Habermas.

A Raposa-rainha aprendeu rapidamente a maiêutica socrática e a dialética platônica, e em pouco tempo começou a dominar,mesmo que precariamente,alguns conceitos aristotélicos,venerando o Motor imóvel como um verdadeiro Deus.Detestava conversas improcuas e pensamentos prè-conceituosos. Lia trechos de Homero,de Hesiodo e até de Eurípedes. Aprendeu a declamar os poemas de Pindaro enquanto se banhava,e adorava ficar horas e horas e horas,lendo os relatórios de seus súditos,só para poder coagir seus insubordinados e inimigos. No entanto, tudo com muito rigor filosófico, muita “ética”, e acima de tudo, com a quase clareza e transparência próprias de uma filósofa neófita.

Um dia, a Coruja perguntou a Raposa-rainha o que era a Verdade e de que forma ela poderia ser aprendida por todos. A Raposa-rainha(e agora quase filósofa),nunca havia pensado em tal questão,pesquisou por duas semanas na sua vasta e bela e moderna biblioteca,consultou quase todos os compêndios especializados no assunto,sem,no entanto,encontrar uma resposta satisfatória para aquela questão aparentemente insolúvel,decidindo,então,convocar o Conselho Real(composto pela Cascavel –presidente,pela Hiena –vice-presidente,pela Preguiça –secretária, e pelos demais membros, a Onça,a Tartaruga,a Girafa,a Vaca,a Águia,a Gazela e a Macaca) para que este Egrégio Conselho apresentasse um conceito de Verdade que lhe agradasse.

No dia da reunião,todos haviam pensado num conceito satisfatório acerca do que era a Verdade. Todos falavam ao mesmo tempo – a Cascavel balançava o chocalho desesperada,a Hiena,sorria de tudo e de todos,a Girafa,esticava o pescoço para chegar mais próximo da Rainha,a Onça urrava enquanto lixava as unhas com uma lima, a Tartaruga lutava desesperada para conseguir um espaço á mesa, a preguiça,lentamente,escrevia o rascunho do relatório, a Vaca consultava dicionários, a Águia beliscava a Gazela carinhosamente, e a macaca dava saltos,contava piadas,fazia intrigas,vestia-se de boba da corte só para não deixar a Rainha entediada -,enquanto isso, a Rainha olhava indiferente a paisagem através da janela,desamparada,pensando na ampliação do seu reino.
Até que a Macaca,fazendo as vezes de boba da corte,sorrindo de todos os Conselheiros,ruminou algumas palavras no ar – “A verdade é uma mentira bem contada!”, “A verdade é uma mentira que privilegia só aos poderosos!”, “A verdade é o que a Rainha quiser!” "O que a Rainha quiser!”Após os gracejos da Macaca, todos se puseram a rir de maneira frenética e idiota, menos a Rainha que, compenetrada, anunciou:
- A partir de hoje, fica decretado: ”a verdade é o que a Rainha quiser!” Dando por encerrada a reunião.
Logo a noticia se espalhou por todo o reino. A Raposa-rainha-filósofa passou a ser o único referencial de verdade para aquela sociedade. Sem levar em conta todo o conhecimento filosófico ensinado por sua amiga mestra(a Coruja),a Rainha decidiu contestar tudo e todos,principalmente aqueles que ousavam colocar em dúvida o seu discurso e suas deliberações. A Rainha-filósofa chegou a nomear a Macaca como a sua nova preceptora. Afinal, a Verdade já não deveria mais vir dos livros,da pesquisa,da investigação,das experiências,das vivências,mas sim,das vontades,dos caprichos e dos desejos da Rainha-filósofa.
Ninguém reclamava. Nem ministros,nem conselheiros,nem chefes de setores “produtivos”,menos ainda seus súditos.Todos aceitavam a última palavra da Rainha-filósofa.Todos diziam sim,sim,sim,sim,Ou não,não,não quando ela assim ordenava.

Até que um dia, chegou às mãos da Rainha-filósofa, uma carta de um rebelde que assinava pelo nome de Liberdade, essa carta – que colocava em perigo tudo que até então a Rainha-filósofa havia construído e decretado – trazia a seguinte mensagem: não há nem verdades eternas nem poderes absolutos, tudo é passageiro,tudo é efêmero,tudo nasce,cresce e morre.
Preocupada com uma possível revolução no seu reino, além do fim do seu poder e do seu, prestigio,a Raposa-Rainha-filósofa – atendendo a uma sugestão da sua nova preceptora (a Macaca) – convocou o exercito, a policia administrativa,os puxa-sacos, e ordenou que o autor da carta, o tal Liberdade,fosse preso,torturado, e expulso do seu reino com uma cicatriz no rosto,deixando á mostra a marca de seu poder,para que ninguém jamais ousasse desrespeitar suas ordens,seus desejos,suas vontades e seus conhecimentos.
E assim,através da coação,do policiamento constante e da censura, a ordem foi novamente re-estabelecida,no reino encantado da Raposa-rainha-filósofa.
Espero que não fique chateado comigo...
Eu adoro...
Linguagem simples, mas profunda.
Extremamente nietzscheana.
Me fez lembrar do texto sobre A Verdade e a mentira no sentido extra-moral.
Um beijoooooooooooooo.

Um comentário:

piligra disse...

Vc pode fazer o quer quiser com os meus textos, eles pertecem a vc também." Estou com um blog, visita lá tem outros textos quem sabe vc não os disponibiliza para seus alunos! http//kartei.blogspot.com

Só os Deuses são perfeitos!
"Acredito sinceramente que somos o que pensamos, o que estudamos e o que nos propusemos a ser."