Filosofia
Moderna
Quando começa a "Filosofia Moderna"?
Freqüentemente, os historiadores da
filosofia designam como filosofia moderna aquele saber que se desenvolve na
Europa durante o século XVII tendo como referências principais o cartesianismo — isto é, a filosofia de René
Descartes —, a ciência da Natureza galilaica — isto é, a mecânica de Galileu
Galilei —, a nova idéia do conhecimento como síntese entre observação,
experimentação e razão teórica baconiana — isto é, a filosofia de Francis Bacon
— e as elaborações acerca da origem e das formas da soberania política a partir
das idéias de direito natural e direito civil hobbesianas — isto é, do filósofo Thomas Hobbes.
Muitos historiadores da filosofia se
habituaram a designar o Renascimento como um período
de transição para a
modernidade ou a ruptura inicial face ao saber medieval que preparou o advento
da filosofia moderna. Nesta perspectiva, o Renascimento apresentaria duas
características principais: por um lado, seria um momento de grandes conflitos
intelectuais e políticos (entre platônicos e aristotélicos, entre humanistas
ateus e humanistas cristãos, entre Igreja e Estado, entre academias leigas e
universidades religiosas, entre concepções geocêntricas e heliocêntricas,
etc.), e, por outro lado, um momento de indefinição teórica, os renascentistas
não tendo ainda encontrado modos de pensar, conceitos e discussões que tivessem
abandonado definitivamente o terreno das polêmicas medievais. O Renascimento
teria sido época de grande efervescência intelectual e artística, de grande
paixão pelas novas descobertas quanto à Natureza e ao Homem, de redescobertas
do saber greco-romano liberado da crosta interpretativa com que o cristianismo
medieval o recobrira, de desejo de demolir tudo quanto viera do passado, desejo
favorecido tanto pela chamadaDevoção Moderna (a tentativa de reformar a religião
católica romana sem romper com a autoridade papal) quanto pela Reforma Protestante e pelas guerras de religião, que
abalaram a idéia de unidade européia como unidade político-religiosa e abriram
as portas para o surgimento dos Estados Territoriais Modernos.
Ao mesmo tempo, no entanto, a
indefinição e os conflitos teriam feito da Renascença um período de crise. Em primeiro lugar, crise
da consciência, pois a descoberta do universo infinito por homens como Giordano
Bruno deixava os seres humanos sem referência e sem centro; em segundo lugar,
crise religiosa, pois tanto a Devoção Moderna quanto a Reforma Protestante
criaram infinidade de tendências, seitas, igrejas e interpretações da Sagrada
Escritura, dos dogmas e dos sacramentos, de modo que a referência à idéia de
Cristandade, central desde Carlos Magno, se perdera; em terceiro lugar, crise
política, pois a ruptura do centro cósmico (o universo é infinito), a perda do
centro religioso (o papado), a perda do centro teórico (geocentrismo,
aristotelismo tomista, mundo hierárquico de seres e de idéias) foi também a
perda do centro político (o Sacro Império Romano Germânico destroçado pelos
reinos modernos independentes e pelas cidades burguesas do capitalismo em
expansão) e de suas instituições (papa, imperador, Direito Romano, Direito
Canônico, relações sociais determinadas pela hierarquia da vassalagem entre os
nobres e pela clara divisão entre senhores e servos, das relações econômicas
definidas pela posse da terra e pela agricultura e pastoreio, com o artesanato
urbano apenas subsidiário para o pequeno comércio dos burgos).
O resultado da transição, da
indefinição e da crise, conforme muitos historiadores, foi o ceticismo filosófico, cujos maiores
expoentes teriam sido Montaigne e Erasmo.
Só muito recentemente, os historiadores
das idéias e da história sócio-política desfizeram essa imagem da
transitoriedade e indefinição renascentistas, mostrando haver o Renascimento
criado um saber próprio, com conceitos e categorias novos e sem os quais a
filosofia moderna teria sido impossível.
Características gerais do saber
no século XVII
A expressão "filosofia moderna ou
filosofia do século XVII" é uma abstração, como já sugerimos ao mencionar
a questão da cronologia. Mas é também uma abstração se considerarmos as várias
filosofias que polemizaram entre si nesse período, os filósofos concebendo a
metafísica, a ciência da Natureza, as técnicas, a moral e a política de
maneiras muito diferenciadas. No entanto, para quem olha de longe, é impossível
não reconhecer a existência de um campo
de pensamento e de um campo discursivo comuns a todos os pensadores modernos
e no interior dos quais suas semelhanças e diferenças se configuram. É desse campo
comum que falaremos aqui.
Convém não esquecermos que a distinção
entre filosofia e ciência é muito recente (consolidou-se apenas nos meados do
século XIX), de modo que os pensadores do século XVII são considerados sábios (e não intelectuais, noção que também
é muito recente) e não separam seus trabalhos científicos, técnicos,
metafísicos, políticos. Para eles, tudo isso constitui a filosofia e cada sábio
costuma ser um pesquisador ou um conhecedor de todas as áreas de conhecimento,
mesmo que se dedique preferencialmente mais a umas do que a outras. Essa
relação entre as atividades levou o filósofo Merleau-Ponty a designar a
filosofia moderna como a época do Grande
Racionalismo para o qual as
relações entre ciência da Natureza, metafísica, ética, política, espírito e
matéria, alma e corpo, consciência e mundo exterior estavam articuladas porque
fundadas num mesmo princípio que vinculava internamente todas as dimensões da
realidade: a Substância Infinita, isto é, o conceito do Ser Infinito ou Deus.
A idéia moderna da Razão
Em seu livro História da Filosofia, Hegel
declara que a filosofia moderna é o nascimento da Filosofia propriamente dita
porque nela, pela primeira vez, os filósofos afirmam:
1) que a filosofia é independente e não
se submete a nenhuma autoridade que não seja a própria razão como faculdade
plena de conhecimento. Isto é, os modernos são os primeiros a demonstrar que o
conhecimento verdadeiro só pode nascer do trabalho interior realizado pela
razão, graças a seu próprio esforço, sem aceitar dogmas religiosos,
preconceitos sociais, censuras políticas e os dados imediatos fornecidos pelos
sentidos. Só a razão conhece e somente ela pode julgar-se a si mesma;
2) que a filosofia moderna realiza a
primeira descoberta da Subjetividade propriamente dita porque nela o primeiro
ato de conhecimento, do qual dependerão todos os outros, é a Reflexão ou a Consciência
de Si Reflexiva. Isto é, os modernos partem da consciência da consciência,
da consciência do ato de ser consciente, da volta da consciência sobre si mesma
para reconhecer-se como sujeito e objeto do conhecimento e como condição da
verdade. A consciência é para si mesma o primeiro objeto do conhecimento, ou o
conhecimento de que é capacidade de e para conhecer;
3) que a filosofia moderna é a primeira
a reconhecer que, sendo todos os seres humanos seres conscientes e racionais,
todos têm igualmente o direito ao pensamento e à verdade. Segundo Hegel, essa
afirmação do direito ao pensamento, unida à idéia de liberdade da razão para
julgar-se a si mesma, portanto, o igualitarismo intelectual e a recusa de toda
censura sobre o pensamento e a palavra, seria a realização filosófica de um
principio nascido com o protestantismo e que este, enquanto mera religião, não
poderia cumprir precisando da filosofia para realizar-se: o princípio da
individualidade como subjetividade livre que se relaciona livremente com o
infinito e com a verdade.
A razão, o pensamento, a capacidade da
consciência para conhecer por si mesma a realidade natural e espiritual, o
visível e o invisível, os seres humanos, a ação moral e política, chama-se Luz Natural. Embora os modernos
se diferenciem quanto à Luz Natural (para alguns, por exemplo, a razão traz
inatamente não só a possibilidade para o conhecimento verdadeiro, mas até mesmo
as idéias, que seriam inatas; para outros, nossa consciência é como uma folha
em branco na qual tudo será impresso pelas sensações e pela experiência, nada
possuindo de inato), o essencial é que a Luz Natural significa a capacidade de autoiluminação do pensamento, uma faculdade
inteiramente natural de conhecimento que alcança a verdade sem necessidade da
Revelação ou da Luz Sobrenatural (ainda que alguns filósofos, como Pascal,
Leibniz ou Malebranche, considerem que certas verdades só podem ser alcançadas
pela Luz Natural se esta for auxiliada pela luz da Graça Divina).
Marilena Chauí
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
A Ciência e
as Correntes Filosóficas (Racionalismo, Empirismo e Idealismo)
As transformações ocorridas a partir do Renascimento e o início
da ciência moderna levaram a um grande questionamento sobre os critérios e
métodos para aquisição do "conhecimento verdadeiro". Uma das funções
da filosofia moderna passa a ser a de investigar em que medida o saber
científico atinge o seu objetivo de gerar esse conhecimento. Há, inicialmente
na filosofia, duas vertentes sobre a questão do conhecimento: o racionalismo e
o empirismo.
Os racionalistas atribuem grande valor à matemática como instrumento de compreensão da realidade, por se tratar de um bom exemplo de conhecimento assentado integralmente na razão (daí o nome de racionalismo). A mente humana é, no racionalismo, o único instrumento capaz de chegar à verdade. O filósofo e matemático René Descartes (1596 -1650) é um dos grandes pensadores racionalistas e recomendava: "nunca devemos nos deixar persuadir senão pela evidência da razão." Os racionalistas consideram a experiência sensorial uma fonte de erros e confusões na complexa realidade do mundo.
Contrapondo-se às teses dos racionalistas, os filósofos empiristas defendem que todas as idéias humanas são provenientes dos sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), o que significa que têm origem na experiência. A denominação empirismo vem do grego empeiria, que significa experiência. O filósofo John Locke (1632 - 1704) afirmava que "não há nada no intelecto humano que não tenha existido antes na experiência". O empirismo discordava da tese racionalista de que as idéias eram inatas e defendiam que a mente humana é, em seu nascimento, um papel em branco sem qualquer idéia. Para os empiristas, é a experiência que imprime as idéias no intelecto humano.
Os racionalistas atribuem grande valor à matemática como instrumento de compreensão da realidade, por se tratar de um bom exemplo de conhecimento assentado integralmente na razão (daí o nome de racionalismo). A mente humana é, no racionalismo, o único instrumento capaz de chegar à verdade. O filósofo e matemático René Descartes (1596 -1650) é um dos grandes pensadores racionalistas e recomendava: "nunca devemos nos deixar persuadir senão pela evidência da razão." Os racionalistas consideram a experiência sensorial uma fonte de erros e confusões na complexa realidade do mundo.
Contrapondo-se às teses dos racionalistas, os filósofos empiristas defendem que todas as idéias humanas são provenientes dos sentidos (visão, audição, tato, paladar e olfato), o que significa que têm origem na experiência. A denominação empirismo vem do grego empeiria, que significa experiência. O filósofo John Locke (1632 - 1704) afirmava que "não há nada no intelecto humano que não tenha existido antes na experiência". O empirismo discordava da tese racionalista de que as idéias eram inatas e defendiam que a mente humana é, em seu nascimento, um papel em branco sem qualquer idéia. Para os empiristas, é a experiência que imprime as idéias no intelecto humano.
No
século XVIII surge na filosofia a corrente chamada de idealismo, que
considera o conhecimento fundado em ambas: razão e experiência. Um dos
grandes filósofos idealistas foi Immanuel Kant (1724 - 1804) que propunha que o conhecimento é
construído a partir de juízos universais, derivados da razão e da experiência
sensível. Superando a polêmica empirismo-racionalismo o idealismo entende que
o conhecimento é constituído de matéria e de forma. A matéria são as próprias
coisas que são percebidas pelos sentidos; e a forma são os seres humanos, que
descobrem pela razão as relações entre essas coisas.
|
|
Parece-nos que o grande mérito de Galileu foi o de
contribuir para abalar os "inquestionáveis" conceitos dos que o
precederam, aliando em sua prática na criação do conhecimento um certo
empirismo - e aí inovou até na forma de observar a natureza - e racionalismo,
ao reconhecer a exigência de rigor matemático na análise do observado. Abre
caminho para o grande marco na ciência moderna, que foi a criação da mecânica
newtoniana.
Fonte:efisica.if.usp.br/mecanica/curioso/historia/filosofia/
Nenhum comentário:
Postar um comentário