terça-feira, 18 de junho de 2013

A IDEIA DE JUSTIÇA SOCIAL ESTA SENDO ESQUECIDA PELA DEMOCRACIA.

A IDEIA DE JUSTIÇA SOCIAL ESTA SENDO ESQUECIDA PELA DEMOCRACIA.

A IDEIA DE JUSTIÇA,
de Sen, Amartya. Trad. de Denise Bottman e Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
O pensamento de José Serra é condizente com a situação de injustiça que estamos presenciando.
O pensamento de José Serra é condizente com a situação de injustiça que estamos presenciando.
Uma teoria da Justiça, de John Rawls, publicada em 1971, é certamente a obra mais importante da filosofia política do pós-guerra, e impregnou profundamente a reflexão sobre a ideia de justiça. Qual o objeto e a finalidade de uma teoria da justiça; como definir as liberdades básicas dos cidadãos e conciliá-las com igualdade democrática; qual a distribuição mais apropriada dos bens sociais básicos (liberdades, renda e riqueza, oportunidades, bem-estar, autorrespeito); como justificar os princípios que devem orientar a configuração das instituições públicas de uma sociedade justa; como o debate público político deve estar estruturado de modo a incluir a diversidade de interesses e valores; como conciliar os direitos subjetivos individuais e o ideal do bem comum, são algumas das questões levantadas pela teoria da justiça de Rawls e que pautam (para alguns positivamente e para outros negativamente) a agenda de discussão há pelo menos quatro décadas1. Com A ideia de justiça, Amartya Sen desenvolve uma formulação própria da justiça que pretende lançar as bases de uma teoria da justiça que vá além de Rawls e tenha uma influência prática mais direta na formulação de políticas públicas de eliminação das injustiças.
Em vez de insistir no normativismo abstrato voltado para as estruturas institucionais de uma sociedade justa bem-ordenada, Sen pretende desenvolver uma teoria da justiça que leve em conta a posição real das pessoas no mundo, seus padrões de comportamento e circunstâncias socioeconômicas concretas em que vivem. Essa perspectiva prática teria sido excluída da filosofia política contemporânea, dominada por um idealismo normativo à la Rawls. Na abordagem de Sen, em vez dos arranjos institucionais ideais, uma teoria da justiça deveria levar em conta a vida que as pessoas são realmente capazes de levar. O que é central numa teoria da justiça é a identificação de injustiças corrigíveis por meio de uma análise real das assimetrias produtoras dessas injustiças na vida das pessoas reais. “A justiça está fundamentalmente conectada ao modo como as pessoas vivem e não meramente à natureza das instituições que a cercam”2A ideia de justiça pode ser considerada a incursão de maior fôlego de Sen no âmbito da filosofia política; resume e pressupõe a familiaridade dos leitores com argumentos e conceitos desenvolvidos em suas obras anteriores na filosofia política, economia e teoria da escolha social. Com um caráter enciclopédico, os argumentos do livro são ilustrados por uma rica gama de anedotas e exemplos extraídos da literatura, história e acontecimentos recentes. Suas ideias centrais são relativamente poucas, ainda que de grande importância na reflexão sobre a justiça, e são retomadas várias vezes no desdobramento da argumentação.
Sen contrasta duas tradições de pensamento que compartilham o ideal iluminista de fundamentar a ideia da justiça na argumentação racional e nas exigências do debate público livre e inclusivo. Uma abordagem que Sen denomina “institucionalismo transcendental” e que está ligada à tradição contratualista (Hobbes, Locke, Rousseau, Kant e mais recentemente Rawls) se concentrou na identificação dos arranjos sociais perfeitamente justos, considerando a definição das instituições justas como tarefa mais importante da teoria da justiça. A outra tradição, que reúne filósofos iluministas diversos (Smith, Condorcet, Mary Wollstonecraft, Bentham, Marx e John Stuart Mill), adotou uma variedade de abordagens para comparar os diferentes modos de vida que as pessoas podem levar, considerando tanto a influência das instituições como os padrões de comportamento real dessas pessoas, sua situação socioeconômica particular, os padrões de avaliação cultural e outras dimensões significativas. Sen se filia a essa segunda tradição, cujo ponto de partida é comparativo, e não transcendental; e está voltado para as realizações que ocorrem nas sociedades, em vez de olhar apenas para as instituições e as regras. Dado o predomínio da tradição do institucionalismo transcendental, se quisermos atingir efetivamente o propósito prático de remover as injustiças, temos de mudar radicalmente nosso modo de formular a questão. Sen pretende alcançar esse objetivo adotando uma abordagem que escapa tanto das abstrações do institucionalismo transcendental quanto das simplificações do utilitarismo, tomando a via de uma reformulação da teoria da escolha social à luz do espectador imparcial de Adam Smith3. Guia-se pela necessidade prática de fornecer uma teoria que seja universal e objetiva em sua justificação, mas que também seja capaz de lidar com as inquietantes questões postas pela realidade social, situando sua obra numa intersecção frutífera entre filosofia política e ciência social.
Na primeira parte do livro, Sen procura deixar clara essa sua “filiação iluminista” apresentando, numa análise de cunho mais epistemológico, as exigências da justiça decorrentes de uma justificação para a razão baseada em grande parte na demanda por objetividade e imparcialidade. Numa série de referências a Rawls, Habermas e Smith, Sen defende a possibilidade de uma razão objetiva na ética e na política, sugerindo um procedimento arrazoado para formular diagnósticos críticos das situações de injustiça e para fundamentar nossos juízos éticos sobre questões práticas reais. O critério de objetividade é a imparcialidade que Sen vincula à ideia de argumentação pública: tendemos a considerar objetivos os juízos e as avaliações que provavelmente sobreviveriam “à discussão pública aberta e informada”4. Ao contrário de Rawls e Habermas, que colocam exigências rigorosas à deliberação pública, a aposta de Sen é a de que “todos nós somos capazes de ser razoáveis sendo abertos ao acolhimento de informações, refletindo sobre argumentos provenientes de diferentes direções e investindo, junto a isso, em deliberações e debates interativos sobre a forma como as questões subjacentes devem ser vistas”5. Sen insiste no papel central da argumentação pública irrestrita não somente para a política democrática em geral, mas para a busca da justiça social em particular. “A argumentação pública é claramente uma característica essencial da objetividade nas crenças políticas e éticas”6.
Para Sen, o modelo adequado para pensar a objetividade na avaliação da justiça via argumentação pública é a forma de raciocínio oferecida por Adam Smith ao invocar o espectador imparcial, que tem tanto aspectos procedimentais quanto substantivos. A busca por decisões deliberadas publicamente sugerida pela figura do observador imparcial de Smith implica adotar um procedimento que considere “as perspectivas e os argumentos apresentados por toda pessoa cuja avaliação seja relevante, quer porque seus interesses estejam envolvidos, quer porque suas opiniões sobre essas questões lançam luz sobre juízos específicos”7. É necessário dar oportunidade para que todas as vozes sejam ouvidas para ampliar a discussão do ponto de vista dos conteúdos, que tem de ir além das variações de interesses e prioridades pessoais para evitar o etnocentrismo dos valores. A ideia de uma argumentação pública livre e inclusiva, na qual a objetividade de nossos juízos depende da possibilidade de sobreviverem ao teste de uma análise informada a partir de diferentes pontos de vista, é comum a Smith, Rawls e Habermas. A diferença é que, para Sen, os princípios que sobrevivem à análise não precisam formar um conjunto sistemático e coerente, orientados pela rigidez de uma estrutura institucional única. Em vez de narrar a “história hipotética do desdobramento da justiça”, Sen defende a possibilidade da coexistência de posições contrárias que não podem ser amputadas no leito de Procusto sugerido pela teoria de Rawls, que nos levaria a “um único caminho institucional”
POR BERNARDO SILVA
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