sábado, 1 de novembro de 2014

A POESIA NA FILOSOFIA

O primeiro autor de teoria literária, como bem sabemos, foi
Aristóteles, com suas considerações sobre a literatura em A Poética. Desde
suas reflexões, foram muitos os filósofos a abordar a arte literária e podemos
sempre recorrer à filosofia como instrumento teórico para a análise de poesia.
Até mesmo poetas o fizeram, o que demonstra a união das duas áreas que
ora se entendem, ora discutem entre si.
Filósofos escreveram literatura, poetas foram quase filósofos. Houve
então um filósofo que tentou poetar, filosofar e fazer poesia ao mesmo
tempo: Martin Heidegger. Curiosamente, após termos concluído nossas
reflexões a respeito dessa filosofia poética, deparamo-nos com uma menção
ao filósofo em um livro sobre literatura portuguesa, cujo autor, Fernando
Guimarães, em nota, menciona a repercussão do pensamento heideggeriano
na cultura portuguesa. Segundo Guimarães (1992: 107), um importante poeta
do chamado primeiro modernismo português, Almada Negreiros, mostrou
grande interesse pelo pensador alemão, tendo adotado suas idéias filosóficas
em seus escritos críticos. Sinal de que não caminhamos em direções erradas
ao tentar, com o presente texto, apontar a possibilidade de uma crítica ao
modo heideggeriano.
Poesia e Filosofia, uma relação de amor e ódio, laços que ora se apertam,
ora se afrouxam. Nos cursos de Letras, o estudo da literatura inicia-se com a
historinha do filósofo grego que expulsou os poetas de sua República Ideal. É
nas palavras de Platão que a relação tem sua origem; seus argumentos: o discurso
da poesia é fantasioso, não obedece à lógica do pensamento, não instrui, e a
poesia está em demasia afastada da Verdade (a Verdade de Platão; o conceito
verdade que habita o Mundo das Idéias e ao qual apenas os sábios têm acesso).
Para o filósofo grego, a poesia afasta-se da Verdade; com efeito, o poeta é
alguém sem uma grandiosa função na sociedade.
A poesia foi ainda abordada em diversas reflexões de todos os tempos;
como arte que é, esteve sempre entre as preocupações de filósofos, por diferentes
abordagens e diversos motivos. Milênios depois da condenação de Platão, a
situação inverteu-se: A verdade como clareira e ocultação do ente acontece na
medida em que se poetiza (Heidegger 1990: 58, itálico nosso), sentenciou o
filósofo alemão Martin Heidegger, em A Origem da Obra de Arte. Outro tempo,outra visão de mundo junta novamente a idéia de poesia à de verdade e à filosofia.
Evidentemente, trata-se de uma nova verdade, um novo modo de pensá-la que
está em uma reflexão moderna, que se pretende afastada da metafísica e retoma
questões antigas com uma abordagem bastante diferente
O ser heideggeriano habita a linguagem poética. Só a Poesia é capaz de
trazer novamente o mistério da terra e, sobretudo, a procura do ser que ficara
esquecido por culpa da inautenticidade ou da lógica metafísica ao tentar explicá-
lo, pois a Poesia não se origina do habitual, do cotidiano, do constante, ela é um
trazer à luz (1990: 61), nas palavras do próprio Heidegger. A Poesia traz o
novo ao homem, com efeito, ela permite o acontecimento da alétheia(verdade)
Ao deixar a linguagem brilhar, vir à luz e resplandecer, a poesia permite
que a terra se revele, pois no poema o seu uso não está a serviço de um utilitarismo,
ela não é a matéria de um equipamento chamado comunicação. A linguagem
no poema é o poetizar de si mesmaNo texto Hölderlin y la esencia de la poesía, Heidegger ainda nos mostra
que a poesia erige um mundo: La poesia no es un adorno que acompaña la
existencia humana, ni sólo una pasajera exaltación ni un acaloramiento y diversión.
La poesía es el fundamento que soporta la historia, y por ello, no es tampoco
una manifestación de la cultura, y menos aún la mera ‘expresión’ del ‘alma de la
cultura (1958: 108). Como fundamento da história, a poesia cria um mundo;
tratada desse modo, ela se afasta das definições estéticas que a vêem como o
expoente de uma cultura, pois tal visão inverte a definição heideggeriana: produto
de uma cultura, a poesia seria então conseqüência do mundo.
Mundo e terra revelam-se na poesia por meio da linguagem e só no olhar
atento sobre cada palavra de um poema é que podemos descobrir o ser profundo
e esquecido de cada ente. Na análise que Heidegger faz sobe a obra de Höderlin,
cada palavra, uma a uma, traz à luz uma verdade; o olhar sobre cada palavra
desoculta algo que só tendo em mente a filosofia heideggeriana (elementos como
Dasein, mundo, terra e alétheia), seríamos capazes de pensar.
 Segundo Afonso de Castro, há três etapas a serem cumpridas na análise
de um poema ao modo heideggeriano: a primeira constitui a procura de um
sentido através do edifício das palavras (tal sentido revelaria o ser do poema), a
segunda etapa é a de verificação da área que o poema abriu (1992: 89),
acontecimento que o autor não explica de maneira abrangente, mas pensamos
ser essa área o lugar onde o mundo se revela; finalmente, a análise proposta busca
aquilo que está mais escondido no poema, a origem do que se oculta e se desoculta
em todo o poema.
Para uma análise como essa, o conhecimento da filosofia heidegerriana é
imprescindível, assim como é importante que se tenha em mente o papel da
linguagem nessa corrente de pensamento. 
Ler na integra:http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa/g_pdf/vol5/v5_1.pdf

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Só os Deuses são perfeitos!
"Acredito sinceramente que somos o que pensamos, o que estudamos e o que nos propusemos a ser."