quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ENEM 2015 - Quem sabe este tema não é abordado na prova...

Novos tempos, novas famílias?
Da modernidade à pós-modernidade
Helena Centeno Hintz *
 
Novas interferências na família
Na segunda metade do século XX, foram se revelando novos pensamentos
e posturas, os quais proporcionaram mudanças de valores, o que caracteriza a cultura
pós-moderna.Frente à necessidade econômica, a mulher passa a trabalhar fora com a
finalidade de aumentar a renda familiar. Aos poucos sente necessidade de ampliar seu
campo de trabalho e passa a participar de atividades educativas, profissionais,
culturais, artísticas e políticas. A mulher passa a ingressar em maior número nas
universidades, ampliando seu campo de trabalho e levando-a a passar mais tempo fora
de casa.Com a saída dos pais de casa para exercerem suas atividades profissionais,
surgiram as creches como solução para o cuidado dos filhos pequenos. Este cuidado,
em algumas situações, também passou a ser realizado pelas pessoas de mais idade da
família, geralmente os avós, que, sem o poder anterior exercido, passam a ter a tarefa
de cuidar dos netos enquanto seus pais não estão presentes. A educação das crianças
passa, então, a ser exercida não somente pelos pais, o que pode ser fonte de conflitos.
A família, com uma estrutura menor, recebe interferências externas, positivas ou
negativas, com as quais está constantemente interagindo.
A invasão de elementos ou objetos resultantes do avanço tecnológico, que
fazem parte do quotidiano das famílias é intensa. Computadores, laptops, Internet, email,
telefones celulares, NET, e tantos outros, contribuem para desafiar e modificar o
relacionamento e a comunicação familiares. As pessoas têm que reformular seus
significados e valores, o tempo despendido no convívio familiar, fazer novas escolhas
de lazer, rituais diários, interação entre pais e filhos e, inclusive, reformular sua privacidade
e intimidade.
Ao observarmos as duas últimas décadas, constatamos como a vida das
pessoas modificou-se, às vezes, de forma suave, outras, nem tanto.
Há aproximadamente oito anos, o telefone celular era introduzido no Brasil,
permitindo que as pessoas sejam encontradas a qualquer momento. Os pais, à distância,
podem saber onde os filhos estão ou o que precisam, por exemplo.
O fácil acesso à Internet permite que pessoas que não se conhecem, passem
a conversar dentro de suas próprias casas, o que pode interferir na privacidade e na
intimidade da família.A mesma tecnologia que deve ser utilizada como instrumento para facilitar
e melhorar a qualidade de vida, pode causar dificuldades no relacionamento entre pais
e filhos. Encontramos famílias nas quais os pais ficam um pouco intimidados frente
aos filhos, por não entenderem tão bem o manejo do computador. Aparentemente,
mostram-se orgulhosos de como seus filhos aprendem facilmente a mexer no
computador, mas esta satisfação, freqüentemente, encobre uma dificuldade de dar
limites no seu uso. Freqüentemente, o computador pode ser ponto de discórdia entre os pais,
quando um, por interessar-se mais, capta mais facilmente a atenção do filho do que o
outro, que fica colocado mais à distância. Um pai, buscando a aproximação com o
 

 
 
 
 
 


Filho, disse: “...como eu fico mais tempo na rua do que ela (a mãe), quase não



consigo falar com meu filho, mas agora eu mando recados para ele via Internet e
temos nos divertido muito, tanto que quando chego em casa, ele larga tudo correndo
para ficarmos os dois no computador ou jogando, ou na Internet conversando com
outras pessoas. Pena que ela não queira ficar junto.”


Ao mesmo tempo, há casais separando-se por interferência da própria
Internet, tendo como causa o afastamento da convivência conjugal.
Há queixas de cônjuges de que seu parceiro não lhe dá a devida atenção,
pois está sempre ligado no celular, ou no computador. Ocorre seguidamente, que um
parceiro está completamente envolvido com o uso de tudo que a tecnologia oferece,
enquanto o outro não tem o mesmo entusiasmo. Deste ponto, podem surgir grandes
diferenças de valores e interesses, levando o casal a viver distanciados um ao outro.
Percebemos como as pessoas, seguidamente, mostram dificuldades de relacionamento


ligadas ao uso do telefone celular, como: "... Ela podia ter-me avisado



que iria para a casa de sua mãe, antes de vir para casa... eu tenho celular,... podia



ter-me avisado". Ou "Eu deixei vários recados na secretária eletrônica (ou na caixa
de mensagens) e ela não me respondeu ... "


Há, nos casais, uma maior impaciência ou exigência de um para com o
outro, esperando respostas ou mudanças mais rápidas em seus sentimentos e
comportamentos. Mesmo que possam ter tido experiências semelhantes em suas
famílias de origem, sem dúvida este ritmo mais acelerado, de não ter muito tempo
para esperar, é aprendido através do uso de toda uma nova tecnologia.
Atualmente, encontramos casos de separação conjugal motivados pela infidelidade


virtual. O fácil acesso ao cybersex (sexo virtual) tem conduzido a novas


dificuldades entre os casais. O fato de um dos cônjuges buscar alguma espécie de
satisfação sexual através da Internet, provoca uma situação de segredo entre o casal.


Desenvolver conversações através de chats implica na existência de alguém mais que
faz parte da relação, ainda que a satisfação se realize no plano da fantasia, configurando-
se, assim, em infidelidade. Segundo Guimarães, (1999), "a infidelidade virtual é
uma nova forma de relacionamento que interessa ao Direito porque pode provocar a
alteração dos vínculos formais e jurisdicizados".


Novos padrões familiares
A família pós-moderna, sem dúvida, modificou-se, assumindo novos padrõesfamiliares. O fato a ser considerado é se estes novos padrões são decorrência doanteriormente conhecido ou são novos padrões surgidos na sociedade contemporânea.
Segundo Vaitsman (1994), “... o que caracteriza a família e o casamento numasituação pós-moderna é justamente a inexistência de um modelo dominante, seja no
que diz respeito às práticas, seja enquanto um discurso normatizador das práticas. "
Uma estrutura familiar que tem crescido em número é a formada por pai ou mães únicos, denominada famílias monoparentais. Estas famílias são decorrentes de divórcios ou separações, onde um dos pais assume o cuidado dos filhos e o outro
não é ativo na parentalidade, ou famílias onde um dos pais é solteiro e o outro nuncaassumiu a parentalidade.Nas famílias monoparentais, encontramos um maior número de famílias
formadas por mães e filhos, tanto mães separadas ou mães solteiras, constituindo-se,nestes casos, famílias em que a mulher é chefe de família. Não é raro encontrarmos
mulheres, que têm uma boa capacidade financeira, que optam por terem seus filhos,sem estabelecerem um comprometimento com seus companheiros. Porém, o númerode homens que assumem sua parentalidade sozinhos está crescendo, contribuindo para novos estudos decorrentes deste comportamento na interaçãodos papéis masculino feminino. As famílias monoparentais podem enfrentar algumas dificuldades que lhe são peculiares, justamente pelo fato, de um progenitor ter que assumir determinadas
funções que normalmente são assumidas por ambos os progenitores. É importante que o progenitor presente possa assumir essas funções, desde que respeitando a questão de
gênero, pois um pai nunca responderá da mesma forma que uma mãe o faria sobre alguma determinada questão ou vice-versa. A resposta verbal poderá ser a mesma, mas a postura, a linguagem não-verbal será pertinente ao gênero do progenitor. Há
estudos que indicam que crianças que crescem nessas estruturas familiares, desenvolvem maior maturidade e capacidade de decisão.
A família reconstituída não é um fenômeno novo, porém o constante crescimento em números de recasamentos e as mudanças em sua natureza têm sido atribuídas
a fatores econômicos e sociais. A crescente independência econômica das mulheres após a revolução industrial e as guerras mundiais. a mobilização social, a liberação sexual e a busca pela felicidade individual têm contribuído para que recasamentos rapidamente tornem-se uma estrutura familiar bastante comum hoje. Freqüentemente, as famílias reconstituídas têm sido consideradas como frágeis ou instáveis, com dificuldades sociais, emocionais e econômicas. Esta percepção
negativa sobre o recasamento se evidencia através da escassez de vocábulos adequados para novas situações surgidas e para as quais temos que buscar novos significados. Entretanto. devemos ter presente que, mesmo com os impasses que esta família enfrenta, nem sempre ela será conflituada ou com tendências a se dissolver. Nessas famílias o relacionamento familiar amplia-se, pois há os filhos do casal original, há os filhos dos outros casamentos dos parceiros e, possivelmente, haverá os filhos do casal atual. Nesses relacionamentos surgem impasses quanto aos
direitos e deveres de cada um, qual o papel a ser vivido por cada membro dessa família. As disputas entre os irmãos ou filhos dos casamentos anteriores podem levar o casal atual a graves conflitos. Essa nova família necessita de um maior investimento de cada um de seus membros na elaboração de situações anteriores, para que possa desfrutar de um entendimento
mais harmônico e saudável. Outra forma de configuração familiar surgiu entre casais que preferiam não formalizar suas uniões, preferindo as uniões consensuais ao matrimonio legal. Esse
tipo de compromisso é encontrado entre casais tanto em uma primeira união como entre casais que estão reconstituindo suas famílias. Atualmente não há discriminação aos casais assim constituídos.
Encontramos também aqueles casais que estão unidos. mas cada um vivendo em sua própria casa. de forma independente. Afirmam que desta forma preservam sua união. Muitas dessas uniões são resultado de pessoas divorciadas com filhos, que, desta maneira, procuram evitar conflitos entre os filhos de cada um e entre si com os filhos dos casamentos anteriores.
Uma configuração familiar que não se caracteriza como nova, mas
acontece, em muitos casos, devido às mudanças sócio-culturais, é a formada por casais de adolescentes. Quando uma adolescente engravida, as decisões da formação dessa família passam a ser tomadas por mais pessoas além do casal de pais.
Geralmente os pais da adolescente, de alguma forma, assumem o cuidado do bebê, pois o mais provável é que a filha continue morando com seus pais pela dificuldade do casal iniciar uma vida independente. Ocorre, muitas vezes, que o futuro pai fique
distanciado do processo da gravidez e do nascimento, pois ele continua morando com seus pais e não consegue assumir a responsabilidade de ser, ele próprio, pai de seu filho. Mesmo que o novo casal de pais passe a morar junto ou case, as interferências das famílias de origem são maiores devido à própria imaturidade do casal, que necessita recorrer a seus pais para se sustentarem. Atualmente, encontramos a estrutura familiar constituída por casais sem filhos por opção. Cada vez mais, os indivíduos avaliam suas necessidades individuais, priorizando sua vontade de satisfação pessoal. Há indivíduos que optam por uma maior ascensão profissional, uma maior independência social e financeira, não abrindo espaço para a vinda de filhos. Por outro lado, esta opção pode significar uma dificuldade do casal em abrir este espaço, por relacionamentos insatisfatórios
vividos com as figuras parentais Como expressão de um processo de individualização em ascensão, encontramos as famílias unipessoais (Meler), denominação atual para aquelas pessoas que
optam por ter um espaço físico individual, localizando-se estas principalmente nas grandes cidades. São vários os motivos que levam a esta escolha, como a busca pela independência individual, necessidade de estudar fora de seu lugar de origem, o
surgimento de uma oportunidade de trabalho, ou mesmo, a necessidade em ter um espaço físico e emocional, onde não precisem, necessariamente, manter trocas emocionais
vindas de um convívio compartilhado, evitando, portanto, os possíveis desentendimentos provenientes da vida em família.
Segundo Fisher (1995), o que é genuinamente novo na família
contemporânea é o predomínio de pessoas solteiras e divorciadas, e de viúvos e viúvas vivendo sozinhos. Antes, as pessoas viúvas conviviam com os filhos adultos e netos
sem tensões ou conflitos. Atualmente, quando dispõem de recursos e saúde, preferem viver em suas casas.
Este fato, de alguma forma, está contribuindo para formar-se um novo tipo de família: a associação, que são compostas por amigos sem grau de parentesco. Sem manterem relacionamento sexual, estas pessoas, que não têm filhos, reúnem-se para manter um convívio amistoso. Festejam feriados juntos, ajudam-se mutuamente, quando um adoece. É hábito que datas importantes sejam comemoradas com sua família de origem. Desta forma, as pessoas nessas associações escolhem uma rede de
parentesco baseada na amizade. Podem surgir novos termos de parentesco, novos tipos de seguro, novos planos de saúde, novos tipos de moradia. Uma configuração familiar bastante polêmica é a formada por casal de homossexuais.
Ao assumirem uma relação estável, um casal de gays ou lésbicas, em princípio. passa por processo semelhante ao da formação que um casal heterossexual, porém com questões mais difíceis de serem elaborados. Há pressões e circunstâncias,
mitos e realidades específicos que afetam estes casais. O fato de ambos os parceiros serem do mesmo sexo, pode ser um
facilitador para um maior entendimento entre eles. Há, porém. o perigo de se estabelecer uma fusão pela busca de uma complementação do eu no outro, e o desejo de melhorar a própria auto-estima. Como qualquer outro, o casal homossexual necessita pertencer a um grupo social que o apóie. Acontece, freqüentemente, que a própria família do homossexual tem dificuldade em aceitar o seu parceiro, não os reconhecendo como casal constituído. Não raramente, o homossexual busca, então, compreensão através do convívio com outros homossexuais.
Assim como as uniões heterossexuais evoluem dentro de um ciclo vital, as uniões homossexuais também seguem dentro do ciclo vital, mas sem os rituais que
demarcam as transições no relacionamento, como o casamento ou o divórcio. Para que isto se modifique, há mobilizações para que as uniões homossexuais sejam reconhecidas como legítimas perante a lei, com direitos semelhantes àqueles conferidos a uma união heterossexual.
Uma dificuldade relevante para as uniões de homossexuais é a questão dos filhos e isto, certamente, não será minimizado mesmo com a legalização da união. O casal tem filhos, quando um dos parceiros já teve uma união heterossexual. Todavia,
já há casos de adoção realizadas por casais homossexuais. Um fator a considerar é a questão da preservação da privacidade do casal homossexual frente aos filhos. Privacidade e segredo, em muitas famílias de homossexuais, mostram-se entrelaçados. Outra
questão a pensar, é sobre a própria identificação sexual dos filhos.
Para muitos homossexuais, as ansiedades frente ao perigo de contrair AIDS, levou-os, também, a optarem por uma relação estável, compartilhada, portanto mais segura. O horror à doença modificou, em parte, o comportamento das famílias de
origem dos homossexuais, proporcionando que as mesmas passassem a aceitar mais facilmente a união homossexual de seus filhos, apesar de não ser uma aceitação pública ainda.
Considerações Finais
A família, nesta época de tantas modificações, muitas vezes vê-se confusa em suas próprias transformações. O ser humano, ao nascer em um sistema familiar, recebe todas as influências culturais do momento em que vive, acrescidas das
informações transmitidas através das gerações por seus ascendentes. Necessita, então, poder elaborar em si mesmo os novos comportamentos, idéias, sentimentos, valores,
etc. integrando-os adequadamente aos recebidos transgeracionalmente. O terapeuta estando, igualmente, inserido no contexto sócio-cultural, passa pelas mesmas transformações. Isto possibilita ao profissional estar aberto para entender os novos padrões interacionais, estudá-los e interiorizá-los para poder
construir novos conceitos e compreender as diferentes narrativas familiares.
http://www.domusterapia.com.br/site/files/PF3HelenaHintz.pdf

Nenhum comentário:

Só os Deuses são perfeitos!
"Acredito sinceramente que somos o que pensamos, o que estudamos e o que nos propusemos a ser."