quarta-feira, 11 de julho de 2012

Trechos da obra de Santo Agostinho "Confissões"


Professora Danielle Oliveira -  material para aula sobre Estilos Literários da Filosofia do 1°  ano do Ensino Médio


Confissões de Santo Agostinho

[Deus concebido como um ser corpóreo e difuso no universo]
VII. I. 1. Estava já morta a minha adolescência, má e abominável,e entrava na juventude, quanto mais velho em idade, tanto mais hábito em futilidade, de tal modo que não me era possível conceber uma substância a não ser aquela que se costuma ver com estes olhos do corpo.Não te imaginava, meu Deus, sob a forma de um corpo humano, desde que comecei a ouvir falar de filosofia; sempre evitei isso e alegrava-me por ter encontrado a mesma maneira de ver na fé da nossa mãe espiritual, a tua Igreja católica; mas não me ocorria outra coisa que pudesse conceber acerca de ti. E, sendo eu homem – e que homem! – esforçava-me por te conceber como supremo, único e verdadeiro Deus2, e, com todo o meu ser, acreditava que tu és incorruptível, e inviolável, e imutável, porque, não sabendo por que razão nem por que modo, no entanto via claramente e estava certo de que aquilo que é corruptível é inferior àquilo que não é corruptível, e aquilo que é inviolável, sem qualquer hesitação eu punha-o antes do que é violável, e que o que não está sujeito a nenhuma espécie de mudança é superior àquilo que pode sofrer mudança. Clamava violentamente o meu coração3 contra todos estes meus fantasmas e, com um único golpe, esforçava-me por afugentar da visão do meu espírito o bando da imundície que esvoaçava em torno de mim: e que, mal era rechaçado, num abrir e fechar de olhos4, de novo aglomerado, logo voltava e se precipitava sobre o meu semblante e o obnubilava. Deste modo, embora não te concebesse sob a forma de um corpo humano, era todavia levado a conceber alguma coisa de corpóreo espalhado pelos espaços, quer imanente ao mundo, quer difuso para além do mundo, pelo infinito, e que fosse justamente isso o incorruptível, e o inviolável, e o imutável que eu antepunha ao corruptível, e ao violável, e ao mutável; porque tudo aquilo que eu privava de tais espaços parecia-me ser o nada, mas o nada absoluto, nem mesmo o vazio, como quando se tira um corpo de um lugar e fica o lugar esvaziado de qualquer corpo, seja ele da terra, da água, do ar ou do céu, mas todavia há um lugar vazio, como se fosse um ‘nada espaçoso’.

2-João 17:3.
3-Lamentações 2:18.
4-1 Coríntios 15:52.
[O livre arbítrio, causa do pecado]
VII. III. 4. Mas, também ainda, embora dissesse e acreditasse firmemente que és incontaminável e inalterável e sob nenhum aspecto mutável, tu, nosso Deus, Deus verdadeiro, que criaste não só as nossas almas, mas também os nossos corpos, e não apenas as nossas almas e os nossos corpos, mas também todos nós e todas as coisas, não tinha por explicada e esclarecida a causa do mal. Fosse ela qual fosse, porém, via que era preciso procurá-la de modo a que, graças a ela, não fosse obrigado a acreditar que é mutável o Deus imutável, ou que eu próprio me convertesse naquilo que eu procurava. E assim, procurava-a em segurança e certo de que não era verdade o que diziam aqueles que eu evitava com toda a minha alma, porque os via, procurando donde provinha o mal, cheios de maldade7, em virtude da qual eram de opinião que é mais a tua substância que está sujeita a sofrer o mal, do que a deles a fazê-lo.
5.E esforçava-me por compreender o que ouvia: que o livre arbítrio da vontade é a causa de praticarmos o mal e o teu reto juízo8ade o sofrermos, mas não conseguia compreender essa causa com clareza. E assim, tentando arrancar do abismo o olhar do meu espírito, afundava-me de novo, e muitas vezes tentava e me afundava uma e outra vez. Na verdade, elevava-me para a tua luz o fato tanto de sabe que tinha uma vontade como o de saber que vivia. Por isso, quando queria ou não queria alguma coisa, tinha absoluta certeza de que quem queria ou não queria não era outro senão eu. E via, cada vez mais, que aí estava a causa do meu pecado. E aquilo que fazia contra vontade via que era mais padecer do que fazer, e julgava que isso não era culpa, mas castigo, pelo qual, como eu logo confessava, considerando te justo, era castigado não injustamente. Mas de novo dizia: ‘Quem me fez? Porventura não foi o meu Deus, que é não apenas bom, mas o próprio bem? Donde me vem então o querer o mal e o não querer o bem? Será para haver um motivo para que eu seja castigado justamente? Quem colocou isto em mim, e plantou em mim este viveiro de amargura9, embora todo eu tenha sido feito por um Deus tão doce? Se o autor é o diabo, donde veio o mesmo diabo? Mas se também ele, por uma vontade perversa, de anjo bom se tornou diabo, donde lhe veio, também a ele, a má vontade pela qual se tornaria diabo, quando o anjo, na sua totalidade, tinha sido criado por um criador sumamente bom?’ De novo me deixava abater e sufocar com estes pensamentos, mas não me deixava arrastar até àquele inferno do erro, onde ninguém te confessa10, quando se julga que és tu a padecer o mal, e não o homem que o pratica.
7-Eclesiastes 9:3; Romanos 1:29.
8-Salmo 118:137.
9-Hebreus 12:15.
10-Salmo 6:6.

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[Só Cristo é o caminho da salvação]
VII. XVIII. 24. E procurava o caminho para adquirir força que fosse conveniente para eu fruir de ti, e não encontrava, enquanto não abraçasse o mediador de Deus e dos homens, o homem Cristo Jesus88, que é, acima de todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos89, o qual me chamava e dizia: Eu sou o caminho, a verdade e a vida90, e o ali-mento, que eu era incapaz de tomar, misturado à carne, porque o Verbo se fez carne91, para que a tua sabedoria, por meio da qual fizeste todas as coisas 92, amamentasse a nossa infância. Eu, humilde, não tinha por meu Deus o humilde Jesus, nem sabia de que coisa podia ser mestra a sua fraqueza. O teu Verbo, verdade eterna, dominando as partes superiores da tua criação, levanta até si mesma os que se lhe submetem, enquanto, por outro lado, nas partes inferiores, construiu para si, como nosso barro 93, uma casa94humilde, por meio da qual derrubaria de si mesmos aqueles que haviam de ser submetidos e levaria até si, curando o tumor e alimentando o amor, para que não se afastassem para mais longe, por causa da confiança em si mesmos, mas que antes se tornassem fracos, vendo, diante dos seus pés, a divindade, débil, em virtude da participação da nossa túnica de pele95, e, cansados, se prostrassem diante dela, e ela, erguendo-se, os levantasse.

85-Cícero, Tusculanas I 38.
86-1 Coríntios 15:52.
87-Romanos 1:20.
88-1 Timóteo 2:5.
89-Romanos 9:5.
90-João 14:6.
91-João 1:14.
92-Colossenses 1:16.
93-Génesis 2:7.
94-Provérbios 9:1.
95-Génesis 3:21.


Consultar obra na integra - http://www.lusosofia.net/textos/agostinho_de_hipona_confessiones_livros_vii_x_xi.pdf

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"Acredito sinceramente que somos o que pensamos, o que estudamos e o que nos propusemos a ser."