Theodore
Sider
Universidade
de Rutgers
Tradução
de Vítor Guerreiro
O conceito de
identidade pessoal
Ao ser
julgado por homicídio, o leitor decide defender-se a si próprio. Afirma não ser
o assassino; o assassino e o leitor sãopessoas diferentes. O juiz
pede-lhe que apresente provas. Tem fotografias de um intruso com bigode? Não é
verdade que as suas impressões digitais correspondem às que foram encontradas
na arma do crime? Pode provar que o assassino é esquerdino? "Não",
responde o leitor. A sua defesa será muito diferente. Eis as suas alegações
finais:
Admito que o
assassino é dextro, como eu, que tem as mesmas impressões digitais que as
minhas e que não usa barba nem bigode, como eu. Até se parece exactamente comigo
nas fotografias da câmara de vigilância apresentadas pela defesa. Não, não
tenho um irmão gémeo. Na verdade, admito lembrar-me de ter cometido o
homicídio! Mas eu e o homicida não somos a mesma pessoa, uma vez que sofri
mudanças. A banda de rock preferida dessa pessoa eram os Led
Zeppelin; agora prefiro Todd Rundgren. Essa pessoa tinha apêndice, mas eu não;
o meu foi removido na semana passada. Essa pessoa tinha vinte e cinco anos de
idade; eu tenho trinta. Eu e esse assassino de há cinco anos não somos a mesma
pessoa. Portanto, não podem punir-me, pois ninguém é culpado de um crime
cometido poroutra pessoa.
Como é
óbvio, nenhum tribunal aceitaria este argumento. No entanto, o que tem de
errado? Quando alguém sofre mudanças, física ou psicologicamente, não é verdade
que "não é a mesma pessoa"?
Sim, mas a
expressão "a mesma pessoa" é ambígua. Há dois sentidos em que podemos
afirmar que duas pessoas são a mesma. Quando alguém se converte a uma religião
ou rapa o cabelo, torna-se dissemelhante do que era antes. Digamos que,
qualitativamente, não é mais a mesma pessoa. Então, em certo sentido, não é
"a mesma pessoa". Mas noutro sentido é a mesma pessoa: ninguém o substituiu.
Chama-se "identidade numérica" a este segundo género de identidade,
uma vez que é o mesmo género de identidade denotado pelo sinal de igualdade em
expressões matemáticas como "2 + 2 = 4": as expressões "2 +
2" e "4" representam o mesmo número. Numericamente, o leitor é a
mesma pessoa que era em bebé, apesar de qualitativamente ser muito diferente.
As alegações finais do julgamento confundem os dois géneros de identidade. Na
verdade, o leitor mudou desde que o crime foi cometido: qualitativamente, não é
a mesma pessoa. Mas, numericamente, o leitor e o assassino são a mesma pessoa; ninguém mais assassinou a vítima. É verdade que
"ninguém pode ser punido pelos crimes de outrem". Mas aqui
"outrem" significa alguém que é numericamente distinto do leitor.
O conceito
de identidade numérica é importante para os assuntos humanos. Afecta a questão
de saber quem podemos punir, uma vez que é injusto punir alguém que seja
numericamente distinto do malfeitor. Também desempenha um papel crucial em
emoções como a antecipação, o arrependimento e o remorso. O leitor não pode
sentir pelos erros dos outros o mesmo género de arrependimento ou de remorso
que sente pelos seus próprios erros. Não pode antecipar os prazeres de que
outra pessoa terá experiência, por mais que essa pessoa seja semelhante a si em
termos qualitativos. A questão sobre o que faz que as pessoas sejam
numericamente idênticas ao longo do tempo é conhecida dos filósofos como a
questão da identidade pessoal.
Pode-se
representar a questão da identidade pessoal através de um exemplo. Imagine o
leitor que está muito curioso acerca de como será o futuro. Um dia encontra
Deus, particularmente bem-humorada; ela promete ressuscitá-lo quinhentos anos
após a sua morte, para que o leitor tenha experiência do futuro. A princípio
fica compreensivelmente entusiasmado, mas depois começa a duvidar. Como irá
Deus garantir que será o
leitor a existir no futuro?
Daqui a quinhentos anos terá morrido e o seu corpo ter-se-á decomposto. A
matéria que o compõe agora ter-se-á então dispersado pela superfície da terra.
Deus poderia facilmente criar, a partir de nova matéria, uma nova pessoa que se
assemelhe a si, mas isso não o conforta. O leitor quer ser o próprio a existir no futuro; alguém que seja
meramente parecido consigo não serve.
Este exemplo
torna o problema da identidade pessoal particularmente vívido, mas repare que a
mudança trivial ao longo do tempo levanta as mesmas questões. Olhando para
fotografias da infância, você diz "este era eu". Mas porquê? O que
faz que o leitor e aquele bebé sejam a mesma pessoa, apesar de todas as
mudanças que sofreu ao longo dos anos?
Um comentário:
mais nenhum texto pra recomendar, professora ?
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